A descoberta de petróleo nas camadas do pré-sal não deve desviar o Brasil da transição para a era do baixo carbono. Os recursos provenientes da exploração das novas reservas devem ser utilizados para financiar um plano de saída do país da energia fóssil, o que reduzirá as emissões de gases do efeito estufa. Essa é a tese defendida pelo economista franco-polonês Ignacy Sachs, 83 anos, fundador do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais, em Paris. Para ele, o Brasil precisa buscar um modelo de desenvolvimento baseado no aproveitamento da biomassa. As ideias de Sachs foram apresentadas no dia 4 de maio, em palestra realizada no escritório de São Paulo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Nesta entrevista à Agência CNI, o economista fala sobre as oportunidades oferecidas à indústria pelas energias renováveis e a produção de derivados da biomassa.
O senhor foi um dos formuladores do conceito de desenvolvimento sustentável e distingue esse termo de crescimento econômico. Pode explicar melhor essa diferença?
Sachs - Durante muito tempo, discutimos os impactos sociais do crescimento econômico, os positivos e os negativos. E a problemática ambiental não estava explícita. A Conferência de Estocolmo, em 1972, mostrou que era possível conciliar os objetivos sociais do crescimento econômico sem destruir o meio ambiente. Os objetivos do desenvolvimento são sempre sociais e éticos. Existe uma condição ambiental que deve ser respeitada se queremos deixar para as gerações futuras um planeta habitável e o terceiro pé do tripé é a viabilidade econômica. Para que as coisas aconteçam, temos que lhes dar a viabilidade econômica. Então saímos de Estocolmo com esse mantra.
Como está a conscientização da sociedade para que esses objetivos sejam alcançados?
Sachs - Todo mundo fala hoje de meio ambiente e, há algum tempo, da ameaça de mudanças climáticas irreversíveis. A preocupação agora é não tratar as mudanças climáticas como a bola da vez e botar embaixo do tapete a dimensão social. Nós temos que pensar simultaneamente como mitigar as mudanças climáticas sem abandonar o objetivo central do desenvolvimento, que é reduzir os problemas sociais não resolvidos, a começar pelos milhões de pessoas sem condições de ter um trabalho decente.
O mundo caminha para transformar as questões ambientais na bola da vez e esquecer a temática social?
Sachs - Estou vendo pelo menos esse tipo de movimento de ideias. Estamos ameaçados por uma catástrofe. Vamos fazer tudo para evitar essa catástrofe ambiental e o social virá depois. Posso lhe dizer que quando nos preparamos para a Conferência de Estocolmo, em 1972, havia a posição oposta. Aqueles que diziam: primeiro o social e, quando o Brasil tiver o nível de renda per capita do Japão, haverá tempo de sobra para se ocupar do ambiental. E estou reagindo contra essa idéia de dizer primeiro o social e depois o ambiental ou primeiro o ambiental e depois o social.
É possível citar países que estejam mais próximos do desenvolvimento sustentável?
Sachs - Eu insisto em não dar notas a países porque em todos eles há diferentes situações. Agora existem soluções triplamente ganhadoras. Eu posso muito bem imaginar, no Brasil, estratégias de desenvolvimento que passam pela valorização das biomassas terrestres e aquáticas dentro de uma economia voltada à geração de oportunidades de trabalho decente para os agricultores, para os produtores da biomassa e aqueles que estão empregados na sua transformação. Na medida em que consigo tocar essa música, eu vou ter um crescimento triplamente positivo. Eu vou utilizar a biomassa produzida em base sustentável, não estou propondo desmatamento da floresta amazônica, mas produção de biomassa em base sustentável.
Como está o Brasil dentro desse contexto?
Sachs – O Brasil é certamente um país que tem mais condições de avançar que outros, como um modelo de desenvolvimento que eu chamaria de biocivilizações modernas. Biomassa é alimento, ração animal, energia, material de construção, são os cosméticos, fármacos, são ainda as biorefinarias do futuro que vão substituir as refinarias de petróleo e gerar um leque cada vez maior de produtos derivados. O
Brasil está entre os países que têm a maior biodiversidade do mundo. Em cima dessa biodiversidade, você joga biotecnologias nas duas pontas do processo, para aumentar a produtividade de biomassa e para abrir um leque de produtos derivados.
A descoberta das reservas do pré-sal no Brasil pode adiar a entrada no país na economia de baixo carbono?
Sachs - O que foi descoberto não dá para encobrir, mas o pré-sal deve financiar essa transição. Eu acho que o debate sobre isso está mal parado porque, em vez de discutir o que financiar, todo mundo começou a discutir qual é o estado que vai ganhar mais. O que sabemos de estudos de aproveitamento, ou de mau aproveitamento, dos royalties de petróleo no estado do Rio de Janeiro me faz pensar que o problema não está nessa questão. O problema é saber como fazer com que os recursos gerados pelo pré-sal sirvam como um trampolim para construir um plano de saída da energia fóssil ou, primeiro, da energia do petróleo.
O que está em debate é a utilização desses recursos, para educação, inovação, ciência e tecnologia....
Sachs - Sim, mas isso foi colocado de uma maneira tão geral que todo mundo está de acordo. Agora, que usos reais e o que financiar com esses recursos, eu acho que esse é um dos grandes temas de debate do Brasil para os próximos dez anos. Além disso, olha o desastre que acaba de acontecer no Golfo do México (vazamento de óleo ocasionado pela explosão de plataforma de petróleo em maio deste ano). Essa brincadeira de petróleo no fundo do mar requer muitíssima atenção do ponto de vista de tentar se evitar desastres.
Nesse novo cenário, o que a indústria deve fazer?
Sachs - O tema central é construir uma prospectiva de cenários de desenvolvimento industrial do Brasil baseados no aproveitamento múltiplo da biomassa. Tudo o que o que fizermos deslocando a produção dos espaços agrícolas limitados em escala planetária para novos espaços aquáticos que não estão sendo utilizados é uma solução. Quando se tem o litoral que vocês têm, a Amazônia, que tem ecossistemas com grande presença da alga, o pantanal mato-grossense e os lagos de represas, considerar a produção aquática deve ser um dos grandes objetivos. Vocês têm tudo para liderar nessa área.
Nessa mesma linha de raciocínio, temos ainda de pensar no aproveitamento da floresta em pé.
Sachs - Temos de ter estratégias para a Amazônia, para o semi-árido e para a produção aquática, que é a revolução azul. Se tivéssemos pelo menos esses três, já estaríamos razoavelmente bem. Eu acredito que, para a floresta em pé, existe uma proposta genérica que merece ser estudada em grande detalhe, que é a de adensamento de espécies úteis dentro da floresta. Modificar gradualmente a estrutura da floresta para que nela existam muito mais espécies úteis. Isso é uma grande proposta metodológica. Você tem uma castanha do Pará por hectare. Mas será que você não pode plantar cinco, dez, ou quinze castanhas naquele hectare? Assim você aumentará de dez a quinze vezes a coleta, sem mudar nada praticamente na floresta.
Que outras oportunidades uma economia baseada no uso múltiplo da biomassa pode gerar para a indústria?
Sachs - Haverá uma demanda por certos tipos de equipamentos padronizados em grande escala. E, dentro disso, há um tema que me parece extremamente importante para o Brasil, que é o de equipamentos móveis, flutuantes. Por exemplo, se eu vou produzir diferentes tipos de biomassas na Amazônia, eu posso produzir essa biomassa em pequena escala em povoações ribeirinhas. A questão é essa, se transportarei a matéria- prima bruta até as usinas que fazem o processamento ou se
primeiro farei uma parte do processamento em lugares onde há a produção primária, com equipamentos que reduzirão drasticamente o volume a ser transportado. Eu acredito muito nessa segunda fórmula.
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