Seg, 17/Mai/2010 00:00 Belo Monte
Funcionário diz que há chance de "quatro ou cinco" espécies de peixes sumirem em usina, mas minimiza impacto total. Especialistas em fauna das águas do Xingu apontam que estudo de impacto incluiu como amazônicas até espécies da Argentina
Reinaldo José Lopes
DA REPORTAGEM LOCAL
"Quatro ou cinco espécies de peixes têm potencial de se extinguir, mas assumimos esse risco. Para o conjunto da Amazônia, faria muito mais mal construir 25 termelétricas do que a usina hidrelétrica de Belo Monte", afirma o biólogo Antonio Hernandes, do Ibama.
Coordenador de infraestrutura de energia elétrica do órgão ambiental, Hernandes falou à Folha em resposta às críticas feitas por um grupo de ictiólogos -biólogos especializados em peixes- ao estudo de impacto ambiental que tornou possível o licenciamento e posterior leilão da usina.
Entre outros problemas, esses cientistas apontam a imperícia na identificação das espécies nativas do trecho do rio Xingu que receberá a usina.
Os bichos teriam sido igualados erroneamente a peixes que só existem em outras bacias hidrográficas. Subestima-se, assim, a presença no Xingu de espécies que ainda nem ganharam nome científico.
Também reclamam que houve desleixo no cadastro dos espécimes coletados em museus, o que pode atrapalhar o estudo da diversidade de espécies quando seu habitat estiver alterado ou mesmo desaparecido. E afirmam que o número real de peixes sob risco de sumir pode ser muito maior do que quatro ou cinco. O Ibama, porém, discorda.
"Análise crítica"
Os ictiólogos assinam um capítulo de uma análise crítica do estudo de impacto ambiental de Belo Monte. Entre eles está Paulo Buckup, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
"Do meu ponto de vista, o principal problema é que não é possível verificar as identificações dos peixes, o que é fundamental numa fauna em que quase metade das espécies ainda não foram descritas. É como inocentar ou condenar uma pessoa sem apresentar as provas materiais do crime", diz.
Buckup lembra que numerar os espécimes, associando-os de forma precisa ao local onde foram coletados, é a "premissa básica aceita pelos cientistas" para estudos sobre biodiversidade. Hernandes, do Ibama, diz que o material "não foi jogado fora", tendo sido depositado, segundo ele, no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém.
"É um problema menor. Há coisas mais graves no estudo de impacto, até porque mandaram exemplares aqui para o museu", diz Flávio César Thadeo de Lima, pesquisador do Museu de Zoologia da USP que também participou da análise.
De uma lista de 14 espécies citadas pelo estudo da usina, por exemplo, cinco seriam, na verdade, bichos que nem ocorrem na Amazônia, tendo sido registrados em lugares tão distantes quanto a Bahia, o Uruguai e a Argentina. As demais ocorrem fora da bacia do Xingu, levantando fortes suspeitas de identificação incorreta.
Para Lima, um dos problemas mais graves é que o estudo de impacto não chama a devida atenção para duas espécies que já constam da lista nacional de espécies sob risco de extinção, o pacu-capivara e o carismático cascudo-zebra, sucesso entre aquaristas (leia texto abaixo).
"Eles só existem na Volta Grande do Xingu", diz o ictiólogo, referindo-se à área que será mais afetada pela usina. Hernandes rebate: "Não sabemos se essas espécies realmente só existem lá".
Para o funcionário do Ibama, é provável que "90% das espécies" únicas da Volta Grande se encontrem em ambientes similares no rio Iriri, que serão protegidos como contrapartida ao impacto de Belo Monte.
Não é o que os pesquisadores afirmam. "Não sei qual o tamanho da nossa ignorância, mas sei que ela é bem grande", diz Lima. "Teremos um programa de levantamento das espécies antes de qualquer obra, nos próximos três ou quatro anos, então eles poderão tentar comprovar isso", diz Hernandes.
[Fonte: Folha]