terça-feira, 4 de maio de 2010

Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN’s: peculiaridades que justificam tratamento diferenciado


Sex, 30/Abr/2010 00:00 Artigos científicos
Por Flávio Ojidos*


Diante do atual cenário ambiental mundial, uma das principais estratégias para conservação de biodiversidade é a criação de áreas protegidas, no Brasil regulamentadas como Unidades de Conservação da Natureza.
Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica[1], o bioma Mata Atlântica, considerado um dos 34 hotspots[2] mundiais possui apenas 7,3% de sua área original e, em que pese seu tamanho reduzido, esse remanescente apresenta altos índices de biodiversidade e endemismo, além de colaborar de maneira significativa com a prestação de serviços ambientais para as regiões mais povoadas do Brasil. Ainda, segundo dados da mesma instituição, cerca de 80,5% das áreas remanescentes do bioma Mata Atlântica estão fora de unidades de conservação públicas e dependem diretamente de particulares para sua conservação.
Uma maneira de conferir maior proteção a essas áreas é a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN’s. Nascida em 1.977 sob o nome de Refúgios Particulares de Animais Nativos – REPAN’s, o instituto de conservação em terras privadas evoluiu ao longo dos anos e, em 1.990, um decreto federal criou a figura das RPPN’s. Diversas foram as modificações, tanto em relação aos procedimentos de criação quanto em relação aos seus objetivos, mas o mais importante é saber que há mais de trinta anos a sociedade civil colabora com a conservação da biodiversidade brasileira, protegendo terras particulares sob o manto de mecanismos legais que vieram se aperfeiçoando.
A lei n.º 9.985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC elevou o instituto de conservação em terras privadas, RPPN, existente desde 1.990, ao patamar de Unidade de Conservação da Natureza. Atualmente, conforme disposto no Decreto n.º 5.746/06, a RPPN é conceituada como uma “unidade de conservação de domínio privado, com o objetivo de conservar a diversidade biológica, gravada com perpetuidade, por intermédio de Termo de Compromisso averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis”.
A RPPN é área de domínio privado e possui como princípio legal de manejo a proteção integral, permitindo-se o uso indireto dos recursos naturais por meio de atividades de ecoturismo, pesquisa científica e educação ambiental. Pode ser criada por pessoas físicas ou jurídicas, em parte ou no total de suas propriedades, não havendo limite de tamanho, mínimo ou máximo, pré-estabelecido. O pedido de criação de RPPN é de caráter voluntário e deve ser encaminhando ao órgão ambiental responsável, que pode ser federal, estadual ou municipal, conforme o caso.
Dado o caráter voluntário de sua criação, esse mecanismo de conservação em terras privadas tem se destacado e alcançado resultados bastante significativos. Segundo dados do Cadastro Nacional de RPPN[3], atualmente existem mais de 930 RPPN’s criadas, protegendo cerca de 673 mil hectares de biodiversidade em todos os biomas brasileiros. 
Importante destacar também que o título de RPPN conferido a uma propriedade particular é de caráter perpétuo, porém, não acarreta em perda do direito de propriedade, sendo que a área pode ser vendida a qualquer tempo, sem perder o gravame de RPPN. Já nos casos em que a área encontra-se, por exemplo, hipotecada, a RPPN poderá ser reconhecida pelo órgão ambiental desde que haja anuência expressa do credor.
Os esforços da sociedade civil no incremento dos quadros de conservação da biodiversidade brasileira merecem reconhecimento e aplausos. Mas, mais do que isso, merecem e precisam urgentemente de incentivos mais consistentes por parte do poder público, já que as RPPN’s não oneram o governo, ao contrário do que ocorre com as Unidades de Conservação públicas, que, por vezes, demandam pagamentos de indenização para as devidas desapropriações, bem como recursos técnicos, financeiros e humanos para sua implementação e gestão.
Atualmente, podemos citar o exemplo bem sucedido de alguns municípios do Paraná que praticam repasse de parte do ICMS Ecológico[4], recebidos pela prefeitura para apoio a implementação e gestão das RPPN’s existentes no município.
Outro mecanismo que merece destaque é o Pagamento por Serviços Ambientais[5] – PSA, que atualmente já funciona em algumas regiões do país, notadamente em relação a água. De todo modo, não existe nenhum mecanismo específico de PSA voltado às RPPNs, seja pela água, biodiversidade, beleza cênica ou carbono.
Tanto pelo valor intrínseco quanto pela escassez dos recursos naturais que essas áreas abrigam, urge que sejam criados novos instrumentos e aprimorados os mecanismos existentes com a finalidade de remunerar os proprietários que mantém essas áreas conservadas, pois se até hoje o fazem, é em prol do todo e única e exclusivamente às suas expensas[6].
No nosso entendimento, esses mecanismos de incentivo econômico e/ou fiscal devem considerar as RPPN’s e seus diferenciais, de modo a atribuir maior peso na participação das mesmas, privilegiando e premiando os esforços da sociedade civil na conservação da biodiversidade brasileira.
A ideia central de criação ou aprimoramento dos mecanismos existentes, de forma consistente, com foco no privilégio às RPPN’s, reside no fato de que essas áreas estão gravadas com perpetuidade com o fim único e exclusivo de conservação para produzir, ou prestar, serviços ambientais, como produção de oxigênio e purificação do ar pelas plantas; produção e proteção de recursos hídricos; manutenção de biodiversidade; controle do clima; reserva de produtos medicinais para a cura de enfermidades humanas, entre outros.
Além disso, é de se ressaltar que ao criar a RPPN, o proprietário de terra, por iniciativa própria e voluntariamente, cria para si um rol maior de obrigações legais em relação a terra, ao mesmo tempo em que restringe seu direito de uso. Ou seja, o proprietário de RPPN vai além do cumprimento da lei!
Por esses motivos, no entendimento do autor dessas linhas, as RPPN’s devem ser entendidas no âmbito de suas peculiaridades e não podem, como de direito não devem, receber o mesmo tratamento que outras áreas com as mesmas características físicas, porém, sem o agasalho jurídico de uma Unidade de Conservação, sob pena de conferirmos tratamento igual aos desiguais, punindo aqueles que abriram mão de outros usos para suas terras optando pela conservação em caráter perpétuo.
* Flávio Ojidos é advogado especialista em Direito Ambiental Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional – ESDC; membro da Coordenadoria de Direito Ambiental da Comissão do Jovem Advogado da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-SP; consultor jurídico do site sobre ICMS Ecológico da The Nature Conservancy – TNC, o www.icmsecologico.org.br e sócio da Ojidos & Marinho Consultoria em
Meio Ambiente Ltda.
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[1] www.sosma.org.br
[2] Toda área prioritária para conservação, isto é, de alta biodiversidade e ameaçada no mais alto grau. É considerada hotspot uma área com pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e que tenha perdido mais de 3/4 de sua vegetação original – Fonte: Conservação Internacional - www.conservation.org.br
[3] www.reservasparticulares.org.br
[4] www.icmsecológico.org.br
[5] A ideia básica do PSA é remunerar quem, direta ou indiretamente, preserva o meio ambiente. Isso significa recompensar com dinheiro, ou outros meios, aqueles que ajudam a conservar ou produzir serviços ambientais mediante a adoção de práticas, técnicas e/ou sistemas que privilegiem a manutenção da floresta em pé.
[6] Os incentivos econômicos e financeiros atualmente existentes para as RPPN’s são tímidos e não suportam os custos de manutenção dessas áreas de forma satisfatória. O principal incentivo existente é a isenção do Imposto Territorial Rural – ITR para a área averbada como RPPN.

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