quarta-feira, 10 de março de 2010

[história] O Homem que Cultiva a Água

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Viajando pelo sul da África neste verão (1995) ouvi falar de um homem que cultivava a Água.
Parti à procura sem idéia clara do meu rumo. Me encontrei num ônibus folclórico abarrotado atravessando ruidosamente o interior do sul de Zimbabwe a uns 30 km por hora.
A paisagem era bela: colinas suaves de capim amarelo em terra vermelha, com moitas de arvores retorcidas, às vezes em forma de guarda-chuva. Cochilei até, nove horas depois, chegarmos na região mais seca de Zimbabwe.
Do topo da colina de vegetação semidesértica avistamos uma campina imensa de colinas onduladas cobertas de capim seco e afloramentos de granito; poucas árvores. Lembrei da campina aberta do sudoeste de Arizona. De fato, tudo era coroado por um céu azul límpido como aqueles que do sudoeste árido dos EUA. O ônibus adentrou vagarosamente a capina seca e parou no lugarejo de Zvishavane. Aqui mora o cultivador de água.
Enquanto o sol se punha, procurei um lugar para estender o saco de dormir, e adormeci. Na manha seguinte, peguei carona com a diretora do CARE Internacional. Ela me levou a uma fila de casas térreas. Uma destas era o escritório simples do Projeto de Recursos de água de Zvishavane (Zvishavane Water Resources Project (ZWRP). Lá, na varanda, estava sentado o cultivador de água, lendo a Bíblia.

Na minha chegada ele se levantou com um sorriso enorme e saudações cordiais. Aqui, finalmente, estava Sr. Zephania Phiri Maseko. Ao descobrir a distância que eu percorrera, ele desatou a rir maravilhosamente. Me contou que ultimamente chegam visitantes de todos os pontos do globo, quase diariamente. Mesmo assim, cada um é uma surpresa.
No jipe atravessamos a solavancos as estradas de terra erodidas rumo ao seu sítio, enquanto Sr. Phiri falava, ria, e gesticulava, contando infindáveis analogias e histórias poéticas. A melhor de todas é a dele.
Em 1964 foi dispensado do seu emprego na ferrovia por estar politicamente ativo contra o governo branco rodesiano. O governo alertou que nunca mais trabalharia em nenhuma função. Tendo que sustentar uma família de oito, Sr. Phiri recorreu as duas coisas que tinha: uma propriedade familiar de 3 hectares, e a Bíblia.
Ele não usa a Bíblia somente como guia espiritual - usa como manual de jardinagem. Ao ler a Gênese, viu que tudo de que Adão e Eva precisavam era suprido pelo jardim de Éden. ” Assim”, pensou, “preciso criar meu próprio Jardim de Éden”. Mas se deu conta que Adão e Eva tinham os rios Tigres e Euphrates na sua região. Não tinha nem sequer um riacho intermitente. “Então,” pensou Sr. Phiri, “preciso também criar meus próprios rios. ” Ele fez ambos.
O seu sítio fica nas encostas de uma colina, voltado p/ N-NE (lembrando que este é o hemisfério sul). No topo da colina há um afloramento grande de granito onde a água das enxurradas escorre livremente. A precipitação anual media é de 570 mm ( um pouco acima de 22 polegadas), mas como ele, aponta, é uma média baseada em extremos. Muitos anos são de seca, quando a terra tem sorte se recebe 12 polegadas ( 270 mm) de chuva.
No começo era muito difícil desenvolver as culturas, muito menos lucrar delas, devido às secas freqüentes e falta total de equipamento ou capital para irrigar a partir do lençol freático.
Ele dedicou tempo observando o que acontecia quando de fato chovia. Em pequenas depressões e no lado superior das rochas e das plantas, a umidade do solo durava mais do que em áreas onde a água escoava livremente. Assim começou a auto-educação e o trabalho de coleta de água de chuva. Ao longo de 30 anos Sr. Phiri criou um sistema sustentável que preenche todas as suas necessidades em água, só com a chuva.


“Tem que começar a captação no alto, e sarar as voçorocas jovens antes das velhas e profundas rio abaixo,” diz Sr. Phiri. Começando no topo da divisória de águas ele construiu muros de pedra seca aleatoriamente mas nas linhas de contorno. Tendo funções similares aos gaviões [cestas quadradas de arame preenchidas de rochas utilizadas para captar água e sedimentos em grandes vossorocas, NT ] , estes muros diminuem a velocidade do fluxo de água de tempestades , que atravessa lentamente os espaços entre as pedras. Assim amansa-se o fluxo de água saindo da redoma do afloramento de granito, direcionando-a para reservatórios permeáveis, que, como tudo na propriedade, foram construídas com ferramentas de mão e o suor de Sr. Phiri e suas duas esposas.
O maior dos dois reservatórios ele chama o seu centro de imigração. “É aqui que dou as boas-vindas para a água em minha propriedade e depois a direciono para onde residirá no solo” , ele explica, rindo. “O solo,” explica, “é como uma lata. A lata precisa segurar toda a água. Vossorocas e erosão são como buracos na lata que permitem que a água e a matéria orgânica escapem. Estes precisam ser tapados.” O ” centro de imigração” serve também de medidor de chuva, porque sabe que se encher três vezes durante uma estação, infiltrou chuva suficiente ate o lençol freático para durar dois anos.
O reservatório menor direciona a água via uma manilha para uma cisterna livre de ferro-cimento que alimenta o quintal durante as secas. Tem outra cisterna de ferro-cimento, sombreada por um pé de maracujá luxuriante, que capta a água do telhado. Alem destas duas cisternas , todas as estruturas de captação de água na propriedade visam infiltrar a água no solo o mais rápido possível.
Perto da casa ha uma pia externa onde as águas servidas escoam para uma cisterna subterrânea, forrada de pedras secas, onde a água rapidamente se infiltra. Do topo da divisória de águas ate o fundo existem varias estruturas para a captação de água como represas de retenção, gaviões, terraços, valas de infiltração (”swales”), e “covas de fruição”.
O governo colocou valas de escoamento na região toda muitos anos atrás, mas feitas fora das linhas de contorno, para acabar com a erosão em laminas, levando a água das tempestades para um dreno central. O problema de erosão resolveu-se, mas as terras acabaram sendo roubadas da sua água. Assim, Sr. Phiri cavou grandes “covas de fruição” de 10x6x4 pés no fundo de todas as suas valas. Quando chove, a água enche a primeira cova e o excedente enche o seguinte, continuando assim até os limites da propriedade. Muito depois do fim da chuva, a água continua nas covas, infiltrando no solo.
Em volta das covas capins grosseiros são cultivados para controle de erosão, para cobertura das casas, e venda. Muitas árvores frutíferas vigorosas foram plantadas por Sr. Phiri ao longo dessas valas para fornecer alimentos, sombra, e quebra-ventos. São alimentadas estritamente pelas chuvas e o lençol freático, que vai se aproximando da superfície.
Como Mr. Phiri explica: “Cavo valas e covas de fruição para plantar a água para que possa germinar em outro lugar.” ” Ensinei o meu sistema às árvores,” continua. “Elas entendem-no e à minha linguagem. As coloco aqui e digo ‘Olha, a água esta aqui. Vão a procura.” Nenhuma bacia nem divisória para segurar ou negar a água é colocada em volta delas; as raízes são encorajadas a se esticarem e encontrar a água.
Uma mistura diversa de culturas não híbridas como abóbora, milho, pimenta, beringela, taboa para cestas, tomate, alface, espinafre, ervilha, alho, feijão, maracujá, manga, goiaba, e mamão, juntamente com arvores nativas como matobve, muchakata, munyii, e mutamba são plantadas entre as valas.
Esta diversidade oferece segurança alimentar porque na falha de alguma cultura devido a seca, doença, ou praga, outras sobreviverão. A utilização de culturas não híbridas garante que Mr. Phiri possa colecionar, selecionar, e utilizar as suas próprias sementes de um ano para outro.
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Ha uma abundância de plantas fixadoras de nitrogênio. Guandu é um exemplo, e serve também para forragem e cobertura morta. Sr. Phiri percebeu que solos fertilizados quimicamente não infiltram nem seguram água muito bem. Como diz: “Você aplica o fertilizante um ano, e não no ano seguinte, as plantas morrem. Você aplica esterco e plantas fixadoras de nitrogênio uma vez, e as plantas continuam a prosperar vários anos em seguida. Solo fertilizado quimicamente é amargo.”
Os alimentos e as frutas que Mr. Phiri produz estão longe de serem amargos. Ele tem sido generoso na sua abundância, dando mudas de arvores para quem quisesse. Infelizmente, como ele mesmo aponta, a maioria das arvores que ele doa morrem se não foram implementadas as técnicas de coleta de água antes do plantio. Ele propaga as arvores em sacos velhos de arroz e grãos perto de um dos poços a céu aberto no fundo da propriedade.
Ele descreve os poços com outra analogia: “A água é como o sangue — é sempre atraída à ferida. As vossorocas são feridas. O sangue vai até a ferida para saná-la. Se faz com gaviões e valas de infiltração onde a vossoroca se enche de solo fértil.” Com este conhecimento Mr. Phiri cavou três poços no fundo da sua propriedade sabendo que a água coletada no seu terreno se infiltraria no solo e acharia seu caminho até as feridas no fundo da propriedade.
O solo é sua bacia de captação. No tempo da seca, os poços dos vizinhos secam (mesmo os mais profundos do que os dele) mesmo assim os seus poços sempre contêm água “em que posso mergulhar os dedos”, porque ele repõe de longe mais água dentro do seu solo. Com a exceção de um poço que é forrado e munido de uma bomba manual para água de uso doméstico, os outros são forrados com pedras secas. “Estes poços” ele explica, “são aqueles do homem generoso. A água vem e vai como quiser, porque , como você vê, no meu terreno ela se encontra em todo lugar.”
Em tempos de seca severa, Sr. Phiri tira água destes poços para irrigar culturas anuais nos campos vizinhos. Ele utiliza uma bomba conhecida como Shaduf Egipcio, que não passa de uma bomba manual que utiliza um pneu velho de trator para bombear a água. Uma manivela abre e fecha a bexiga (o pneu) como um acordeão, criando a sucção necessária.
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Um brejo natural luxuriante se encontra abaixo dos poços no ponto mais baixo da propriedade. Aqui Sr. Phiri pratica piscicultura em três reservatórios. Conforme os dois menores vão secando, os peixes são coletados ou realocados ao grande.
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É aqui onde Sr. Phiri instalou uma plantação densa de bananeiras! Terras secas de todo lado, mas na sua propriedade uma floresta de bananeiras! Cana de açúcar, taboa, e capins como capim elefante também são plantadas nos embancamentos para segurar o solo.
O gado se beneficia desta vegetação densa, plantadas para filtrar a água antes que entre no reservatório. Esta forragem nobre é reservada para as vacas prenhas. No começo Sr. Phiri teve de ir a três audiências por violar as leis que proíbem cultivo no brejo. Eram leis do tempo colonial. Finalmente, na terceira audiência, ele conseguiu convencer o juiz a visitar a sua propriedade. Ao ver o trabalho feito, o juiz arquivou a denúncia na hora.
No solo deste sítio fluem os rios “Tigris e Euphrates”; os reservatórios são o local onde afloram. O ciclo do Jardim do Éden do Sr. .Phiri, que começa a ser percebido depois de 30 anos obscuros e às vezes de desprezo, continua a crescer. Das últimas três décadas ele diz: “Claro, é um processo lento, mas é a VIDA. Lentamente implemente os projetos, e conforme a sua vida comece a rimar com a Natureza, logo outras vidas começam a rimar com a sua.”
Em conjunto com a ONG que criou, O Projeto Zvishavane de Recursos Hidricos ele espalha suas técnicas. Influenciou a CARE Internacional na sua região ao ponto que, em vez de distribuir alimentos, eles agora implementam os seus métodos para que as pessoas possam plantar seus próprios alimentos.
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Ele tem visitado escolas onde os professores estavam em greve devido à falta d’água e às condições difíceis em sala de aula empoeiradas e sacudidas pelos ventos. Ele ensinou os professores e estudantes a colher a água da chuva, e juntos transformaram as escolas em jardins luxuriantes, eliminando o motivo de greve. “Lembre que as crianças são as nossas flores, “diz Sr. Phiri, “dê-lhes água, que crescem e dão flor.”
O projeto de Mr. Phiri trabalha localmente (uma grande razão do sucesso) . Mesmo assim o Projeto sempre precisa de fundos. Se você gostaria de ajudar, escreva ao Sr. Zephania Phiri Maseko:

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