terça-feira, 23 de março de 2010

Recuperação do Haiti precisa muito mais do que dinheiro


Por Jim Lobe, da IPS
Washington, 19/3/2010 - O Haiti não precisa apenas de US$ 11,5 bilhões nos próximos três anos para se recuperar do devastador terremoto de 12 de janeiro, mas também de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, segundo especialistas. Numerosos observadores dos Estados Unidos consideram que a "Avaliação Preliminar de Danos e Necessidades", que estima essa quantia, é um primeiro passo importante para o planejamento do processo de recuperação. O informe foi preparado pelo governo haitiano com ajuda de diversos doadores.

Mas também expressaram suas dúvidas quanto aos doadores estarem dispostos a prometer a quantia total na conferência da Organização das Nações Unidas, no dia 31 deste mês, em Nova York. "Creio que a Avaliação Preliminar fixa prioridades muito sensíveis e é importante para dar preço aos objetivos", reconheceu Dan Erikson, especialista em assuntos do Caribe do grupo de estudos Diálogo Interamericano. As autoridades haitianas calcularam os danos e as perdas causadas pelo tremor em US$ 8 bilhões, segundo o rascunho da Avaliação Preliminar.

O valor equivale a cerca de 120% do produto interno bruto de 2009, o maior custo relativo do mundo causado por um terremoto, desde que é usada a atual metodologia de avaliação de custos de desastres naturais, adotada pela comunidade internacional há 35 anos, segundo o documento. Antes do terremoto, o Haiti já era o país mais pobre do continente. As autoridades estimam que o tremor matou 220 mil pessoas e deixou mais de 300 mil feridas.

Aproximadamente, 1,3 milhão de pessoas vivem em abrigos provisórios em Porto Príncipe e nos arredores da capital, enquanto mais de 500 mil fugiram para outras regiões, "agravando os problemas já existentes de disponibilidade de alimentos e serviços básicos", segundo o informe. O problema mais imediato para o governo e as agências humanitárias é se preparar para a temporada de chuvas, que costuma começar em abril, pois representa um risco para as cidades de barracas de campanha que se espalharam depois do terremoto.

A Avaliação Preliminar, com a qual contribuíram cerca de 250 especialistas haitianos e internacionais, será a base para as discussões da conferência de doadores que será presidida pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. Washington, que já gastou quase US$ 800 milhões em assistência de emergência e recuperação, prometerá mais de US$ 1 bilhão adicionais para os próximos três anos na conferência do fórum mundial, segundo fontes próximas. Também disseram que as cifras definitivas não estão decididas e que podem 
ser significativamente maiores.

O governo haitiano necessitará de ajuda internacional "simplesmente para cobrir os salários de seus funcionários no futuro imediato", disse Ban em entrevista à imprensa, após se reunir, no dia 16, com o presidente do país, René Préval, em Porto Príncipe. "Abrigo, saneamento, assistência humanitária permanente e para a reconstrução são as principais prioridades", afirmou o secretário-geral. Além disso, acrescentou que a ONU e outros doadores ofereceram apenas 60% das barracas de campanha, lonas e lençois de plástico para os 1,3 milhões de desabrigados. "Continuaremos acelerando o processo antes da estação das chuvas e dos furacões", assegurou.

Outro grande desafio é retirar os cerca de 40 milhões de metros cúbicos de escombros e criar dezenas de milhares de empregos. Quase 10% da população economicamente ativa do Haiti ficou sem trabalho, segundo a Avaliação Preliminar. O rascunho qualifica de "enorme" o dano causado à infraestrutura pelo terremoto. Cerca de 105 mil casas ficaram totalmente destruídas, enquanto o dobro dessa quantia sofreu danos estruturais. O setor foi, de fato, o mais atingido. Mas, também 1,3 mil instituições de ensino e mais de 50 hospitais e centros de saúde ficaram inutilizados.

Dos US$ 7,86 bilhões estimados para os danos e as perdas, US$ 4,3 bilhões correspondem à destruição da infraestrutura, desde moradias e estradas até portos, cerca de 55%, conclui a Avaliação Preliminar. O balanço das perdas inclui desde produção, emprego, salários e alugueis até outras fontes de renda. Dos US$ 11,5 bilhões necessários para a reconstrução durante os próximos três anos, quase US$ 2 bilhões serão destinados à infraestrutura, desde moradia e transporte até energia e telecomunicações.

Além disso, US$ 5,4 bilhões são necessários para saúde, educação, alimentação, água e saneamento, e US$ 1,7 bilhão para resolver problemas ambientais com a contaminação e a gestão de outros riscos de desastres. Também serão destinados US$ 800 milhões para melhorar a governabilidade e os serviços públicos, enquanto outro US$ 1 bilhão para os setores industrial e turístico, segundo o documento, onde se esclarece que os dados ainda não foram "autorizados, priorizados nem ratificados" pelo governo.

A Avaliação Preliminar recomenda adotar uma estratégia de desenvolvimento no longo prazo que vise a criação de oportunidades econômicas em áreas rurais em lugar da capital, que concentra a economia e a política do país. Sessenta e cinco por cento "da atividade econômica se concentra em Porto Príncipe e não são aproveitados os recursos de outros departamentos", diz o documento. "A saída de 500 mil pessoas da capital permitirá desenvolver outros polos de crescimento no país", acrescentou. O governo deve conseguir que as pessoas deslocadas se assentem em torno dos polos de desenvolvimento e construam infraestrutura e serviços para, assim, "acelerar o processo de descentralização", afirmou.

"Porém, restam muitas dúvidas sobre como dirigir os recursos ao Haiti de forma efetiva", disse Erikson com ceticismo, se referindo à capacidade do país para absorver o equivalente a quase US$ 4 bilhões ao ano em ajuda estrangeira. "Há consenso sobre a importância de o Estado haitiano ser capaz de gerir recursos e executar projetos e isso não será alcançado se o dinheiro for canalizado principalmente por meio de organizações não governamentais e empresas de construção estrangeiras", acrescentou. "Contudo, todo mundo reconhece que o governo do Haiti tem capacidade limitada, o que exige um esforço especial para que a adquira", afirmou Erikson à IPS.

Por seu lado, a especialista Vicki Gass, do Escritório de Washington sobre a América Latina, disse que espera conhecer mais detalhes sobre a implementação do plano, especialmente quanto ao desenvolvimento de novos centros de atividade econômica e com relação ao papel da sociedade civil em melhorar a governabilidade e a transparência. O rascunho "menciona o apoio da sociedade civil para promover o diálogo sobre políticas públicas. É importante, mas, o que significa?", perguntou. "Caberá à sociedade civil algum papel garantindo que a assistência será usada para cumprir os objetivos previstos?", acrescentou. IPS/Envolverde

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