segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Reflorestamentos previstos com espécies nativas podem ficar no papel por falta de mudas

PODE FALTAR ÁRVORE PARA TANTOS REFLORESTAMENTOS PREVISTOS NOS PRÓXIMOS ANOS?


  • Com potencial de movimentar bilhões de reais, gerar milhares de empregos "verdes" e compensar a emissão de toneladas de CO2, reflorestamentos previstos nos próximos anos com espécies nativas podem ficar no papel por falta de mudas.
  • Demanda de mudas de espécies nativas para projetos de reflorestamento tende a ser bem maior do que a capacidade, ainda desconhecida, de produção dos viveiros existentes no país.
  • No interior do Rio de Janeiro, um viveiro de espécies nativas do bioma Mata Atlântica, com capacidade de produção de até 3 milhões de mudas por ano, está se preparando para dobrar a produção até 2012 e triplicar até 2014, levando em conta, principalmente, os reflorestamentos resultantes de compensações ambientais por grandes obras no Estado do Rio de Janeiro.

Técnicos do governo e da iniciativa privada vêm se perguntando qual deve ser a produção anual de mudas necessária para atender a demanda presente e futura por reflorestamentos com espécies nativas no País. Hoje se sabe que a demanda de mudas de espécies nativas do bioma Mata Atlântica, por exemplo, tende a ter um crescimento explosivo nesta segunda década do século XXI, tanto no Rio de Janeiro quanto em outros estados, sendo que não há no país números confiáveis, sistematizados e disponíveis sobre a produção dessas mudas, nem um mapeamento dos produtores existentes.

Diante desse quadro, especialistas da área de meio ambiente do BNDES vêm trabalhando no sentido de formar grupos de estudos para cruzar demandas de reflorestamento com a oferta de mudas de diferentes biomas, com o intuito de se ter um diagnóstico preciso dessa equação e se definir, a partir de uma visão de desenvolvimento sustentável, a melhor forma de apoio do órgão aos produtores de mudas de espécies nativas. Em suma: O BNDES não quer que falte muda para tantos projetos de reflorestamento que devem sair do papel nos próximos anos.

Segundo especialistas, os principais fatores indicativos de que haverá elevação significativa na demanda por mudas de espécies nativas com fins comerciais de reflorestamento são: iniciativas e acordos crescentes de compensação de emissão de gases de efeito estufa; compensações ambientais por conta de vegetação suprimida por grandes empreendimentos do setor de construção civil, que deve ser reaquecido em 2010 - e que mesmo em 2009 teve expansão no setor voltado para as camadas de menor poder aquisitivo com o Projeto “Minha Casa, Minha Vida”; outras compensações em nível setorial (siderurgia, térmicas a carvão e outros setores, cujas emissões deverão ser, por via de lei, compensadas com o plantio de florestas, além da contrapartida necessária pela expansão de plantios homogêneos); necessidade de recomposição de áreas de reserva legal e de preservação permanente; demandas geradas para regeneração do desmatamento no país; e a revisão, em curso, do Código Florestal, que, mais cedo ou mais tarde, obrigará os produtores rurais a reflorestar, com espécies nativas, uma determinada área de suas propriedades.

No final de 2009, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, lançou o “Rio Sustentável”, que estabelece uma meta para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. A proposta é diminuir em 8% a emissão até o ano de 2012 e estabelecer ainda um novo indicativo de 16% para 2016 e outro de 20% para 2020. Dentre as medidas, inclui-se o reflorestamento de 1,5 mil hectares. Por sua vez, o Governo do Estado há dias anunciou que investirá parte dos recursos previstos para o enfrentamento dos problemas de áreas de risco e ocupação irregular de encostas em projetos de reflorestamento, em especial na Baixada Fluminense e na região de Angra dos Reis e Paraty.

Deve-se somar a essas promessas o que já vem sendo feito e o que vem por aí em termos de compensações ambientais pelas grandes obras em andamento e previstas para o Estado do Rio de Janeiro, como CSA, Comperj, Porto do Açu, Arco Rodoviário, trem bala, dentre outras. Além disso, as obras preparativas para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas também devem deixar um saldo ambiental bastante positivo, ainda mais com os compromissos anunciados de que esses dois eventos deverão ser “ecologicamente” corretos. Nesse contexto, é possível imaginar o quanto tudo isso pode representar em termos de plantio de árvores, reflorestamento e recuperação de áreas degradadas e desmatadas tanto no Rio de Janeiro quanto em todo o Brasil?

No outro lado da ponta é que se encontra a questão: há produção de mudas de espécies nativas capaz de dar conta de toda essa demanda? Segundo técnicos do governo e produtores que atuam neste segmento, não. Em número insuficiente, os viveiros existentes de mudas nativas para fins comerciais estão espalhados por alguns estados e não são objeto de nenhuma espécie de “Censo” por parte de órgãos do governo. Desconfia-se, inclusive, que muitos deles não tenham nem o Renasem (certificado de credenciamento no Registro Nacional de Sementes e Mudas, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e que não atuem de forma legal em termos tributários e trabalhistas.

Para tornar o quadro ainda mais complexo, encontram-se, em alguns municípios do país, “viveiros públicos” voltados para o atendimento da demanda local de mudas e árvores. Acontece que essa situação acaba sendo mais um nó dentro de um mercado ainda em fase de profissionalizaçã
o e marcado pela concorrência desleal por parte de produtores que não cumprem todos os requisitos da lei: o governo, que deveria cumprir sua função de normatizar e fiscalizar o setor, muitas vezes se torna concorrente das empresas que se propõe a atuar nele de forma transparente e coerente às regras do jogo capitalista. É como se, de uma hora para outra, os governos resolvessem entrar no mercado de produção de leite e passassem a concorrer com os produtores que fornecem o leite destinado à merenda escolar.

No Rio de Janeiro, uma das empresas que conta com um viveiro especializado em mudas de espécies nativas da Mata Atlântica é a Biovert, que, dando prosseguimento ao trabalho desenvolvido pelo engenheiro florestal Marcelo de Carvalho desde 1987, vem investindo na ampliação de sua capacidade de produção. Localizado em Silva Jardim, a duas horas da capital fluminense, o viveiro da Biovert tem capacidade de produção de até 3 milhões de mudas por ano, em duas safras. O objetivo é que a produção seja dobrada até 2012 e triplicada até 2014.

Na Fazenda Plathymenia, com cerca de 750 hectares, são cultivadas mais de 100 espécies do bioma Mata Atlântica, o que envolve o mapeamento de matizes, coleta, estocagem e plantio no momento adequado de diversos tipos de sementes; a manutenção de estufas e casas de vegetação, além de berçários de semeadura; o preparo dos compostos orgânicos que alimentam as mudas etc. Hoje o viveiro da Biovert é uma das referências em todo o processo de produção de mudas para universidades, grupos de pesquisadores do exterior e também para o BNDES, que, em dezembro, realizou uma visita técnica à fazenda.

De olho no imenso potencial do mercado de reflorestamento com espécies nativas e ao mesmo tempo “incomodado” com a concorrência desleal, representada por produtores que não pagam todos os encargos que deveriam e, com isso, podem entrar em concorrências com preços bem abaixo do mínimo razoável, Marcelo vem garantindo o crescimento da Biovert com a credibilidade conquistada junto a empresas que preferem trabalhar com fornecedores que atendem a todos os pré-requisitos da boa governança.

Nos últimos anos, a Biovert vem crescendo a uma taxa média de 50% ao ano, sendo boa parte do faturamento da empresa proveniente de projetos de reflorestamento, arborização e recuperação de áreas degradadas relacionados a compensações ambientais. Ou seja: necessitando  cumprir as compensações ambientais determinadas por lei e exigidas pelo poder público por causa do impacto de suas obras, construtoras e outras organizações procuram a Biovert para executar os projetos.

Na opinião de Marcelo de Carvalho, ainda que bastante promissor, o mercado de reflorestamento com espécies nativas no Brasil ainda está engatinhando e pode ganhar grande impulso com parcerias entre produtores, entidades empresariais (como a Firjan, por exemplo), secretarias de meio ambiente de prefeituras e estados, meio acadêmico, IBAMA, empresas como Embrapa e órgãos de fomento como o BNDES.

- Certamente teremos um boom de projetos de reflorestamento no Rio de Janeiro e em outros estados, sem que a produção de mudas consiga acompanhar essa demanda. Tanto os produtores rurais que atuam nesse segmento quanto as diversas instâncias do poder público têm grandes responsabilidades diante dessa situação. Está mais do que claro que podemos ter desenvolvimento acelerado e ao mesmo tempo sustentável no Brasil. Podemos, se quisermos e tivermos vontade política, fazer uma Copa do Mundo e uma Olimpíada exemplares em termos de compensação de carbono com reflorestamentos. Mas, para isso, necessitaremos de mais ações de incentivo à produção de mudas de espécies nativas dentro dos parâmetros da boa governança; normatização do mercado; e fiscalização por parte dos governos. Já é um ótimo começo procurar se conhecer a fundo esse mercado, o que começou a ser feito pelo BNDES. Ao mesmo tempo, cabe à sociedade civil, por meio de ONGs e de outras entidades, investigar onde estão sendo investidos os recursos destinados às compensações ambientais. Enfim, está nas nossas mãos aproveitar os bons ventos do crescimento econômico esperado e a avalanche de obras previstas e marcar essa década de 2010/2020 como a década da “revolução verde no Brasil” – conclui Marcelo de Carvalho.
 
Qua, 27/Jan/2010 00:30 Flora, árvores e florestas.

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