29 de janeiro de 2010
Por Natalia Cuminale
Assim que a ciência deu os primeiros passos para desvendar o sequenciamento genético, surgiu a esperança de que a espécie humana um dia seria "aperfeiçoada". Simultaneamente, apareceu o medo de que o sonho desembocasse em algum tipo de projeto de eugenia nos moldes do alimentado pelos nazistas no século XX.
"Há um certo consenso de que a utilização da fertilização in vitro com fins eugênicos não deve ser feita. Isso seria interferir no futuro da diversidade genética da humanidade", afirma Carlos Vital Correa Lima, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina. "Vamos matar o homem se praticarmos a eugenia: o que nos mantém vivos como espécie é a evolução natural", opina Alexandre Pupo Nogueira, ginecologista e obstetra do Hospital Sírio Libanês, de São Paulo.
A perspectiva de escolher características físicas e aptidões das pessoas poderia mudar a sociedade que conhecemos. Mas há nuanças nessa questão. "O fantasma da eugenia não é dado pelas técnicas genéticas, mas, sim, pelo uso que vamos fazer delas", afirma Debora Diniz, pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e autora do livro Admirável Nova Genética: Bioética e Sociedade. "Imaginar que nós teríamos uma sociedade de pessoas idênticas é uma realidade muito fatalista diante das escolhas que cada um de nós faz." Para defender o ponto de vista, a pesquisadora cita um exemplo que chama a atenção, o de comunidades formadas por surdos que foram à Justiça para brigar pelo direito de escolher um embrião surdo. "Elas desafiaram a ideia de que sempre aderimos às inovações da ciência", afirma Diniz.
Para Luiz Vicente Rizzo, imunologista e superintendente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, de São Paulo, é improvável que, no futuro, a técnica nos leve a formar uma sociedade de seres humanos superdotados. "Não vai acontecer. A ciência vai nos permitir tratar melhor as pessoas, aumentar a expectativa do indivíduo, o que pode resultar em modificações ambientais e comportamentais."
Outro temor é que o "aperfeiçoamento" biotecnológico produza uma espécie de preconceito de ordem genética, pelo qual as pessoas "imperfeitas" seriam prejudicadas. Nos Estados Unidos, a discussão e as ações a respeito já começaram. Há cerca de dois anos, a seleção de candidatos a emprego a partir de testes genéticos chamou a atenção do governo americano, que criou uma lei que proíbe empregadores e empresas de seguro de saúde a usar o DNA como critério de escolha na hora da contratação.
Para Diniz, a dúvida é se o preconceito já existente poderá se agravar ainda mais. "As pessoas com deficiência já sofrem discriminação. Nós vivemos em um mundo com grau de perfeição, com ou sem genética."
A ciência e a lei - Considerando- se a velocidade das inovações genéticas, o papel dos legisladores será cada vez mais importante. "As regras do jogo têm que estar muito claras. O problema é que, enquanto não houver isso, a exceção permite tudo", diz Diniz.
Para Correa Lima, do Conselho Federal de Medicina, a sociedade deverá ditar aos legisladores o que será proibido ou permitido à ciência e aos cientistas. "É preciso haver uma sinergia entre as autoridades, cientistas e sociedades, para que os benefícios da genética venham em prol das futuras gerações", afirma. A opinião do presidente da Comissão de Bioética da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) vai no mesmo sentido: "Se a sociedade achar que é válido, o direito vai acompanhar isso", prevê Rui Geraldo Viana.
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