Desenvolvimento e meias-verdades: a quem desenvolve o BNDES?
No dia 25 de novembro encerrou-se, no Rio de Janeiro, o 1º. Encontro Lationoamericano dos Impactados pelos Projetos de Financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) – ou simplesmente o “Encontro dos Atingidos pelo BNDES”, reunião organizada pela Plataforma BNDES. Dele participaram cerca de duas centenas de pessoas – grupos, organizações não governamentais, ministério público e movimentos sociais – vindos de todo Brasil além de Colômbia, Equador, Bolívia e Peru. O tom dos debates foram os imensos impactos sociais e ambientais ocasionados pelo BNDES no seu afã de ser a locomotiva do desenvolvimento à Lula.
Esse banco é gigantesco em tudo. É detentor de uma carteira de financiamentos de bilhões de reais, e, hoje, é um dois maiores bancos de fomento à iniciativa privada do mundo - seus investimentos espalham-se não só pela América Latina mas também pela África, especialmente por Angola e Moçambique.
Banco do paradoxo, é ponta aparente de uma idéia de desenvolvimento que reconhece o papel central do Estado como seu promotor, distribuição de renda e diminuição das desigualdades regionais – sem dúvida um avanço em relação à mediocridade engravatada dos anos FHC. Por outro lado – aí está o paradoxo – não possui um traço do nacionalismo dos anos 1950 sendo o grande parceiro das transnacionais privadas e nacionais na implantação de grandes projetos muito mais interessantes ao grande capital que ao interesse público – sim, tenho dúvida sobre onde está o interesse público em investimentos como as usinas do rio Madeira que custarão cerca de R$ 14 bilhões ao Estado e retornarão cerca de R$ 300 bilhões em trinta anos para o consórcio privado financiado de “pai-prá-filho” .
“Atingidos”, sim o progresso “atinge” populações inteiras no sentido de impactá-las econômica e socialmente. Não é verdade que o “progresso” é linear e sempre “progressista” . Pelo contrário, muitas vezes – na maioria das vezes em se tratando do BNDES – o “progresso” representa interesses privados poderosos que, camuflados num discurso bom-moço de responsabilidade social e sustentabilidade, estão privatizando rios, terras, sub-solo, derrubando florestas, deslocando populações, produzindo enclaves “desenvolvidos” como ilhas cercadas de abandono por todos os lados (como Tucuruí, Parauapebas, Manaus, Barcarena e por ao vai).
O custo tem sido muito alto e o benefício muito baixo. Basta vocês irem a um desses oásis de progresso, por exemplo na Amazônia, para verem como as promessas de desenvolvimento não cumpridas estão causando frustração para as populações.
Os empregos gerados num grande empreendimento tipo usina hidrelétrica seguem uma curva crescente e declinam bruscamente à medida que a obra vai chegando ao fim e, se enquanto elas ocorrem geram empregos, ao final tem-se um problema social muito grande. As cidades impactadas pelo “progresso”, por sua vez, afundam no atavismo, vivendo parasitariamente de royalties ou compensações às sociedades locais. Via de regra, não são pensadas alternativas de dinamização econômica, e dá-se continuidade a ideia de população vivendo do comércio e dos empregos públicos.
O BNDES é relapso quanto ao cumprimento de sua cláusula social, é cúmplice do trabalho escravo, do desmatamento da Amazônia e do Cerrado, finge que não é com ele que a legislação ambiental seja desrespeitada por seus financiados. O BNDES devia ter o mesmo enquadramento dos vendedores de armas que abastecem o tráfico nas favelas cariocas por enquanto é co-responsável por ser financiador da ilegalidade e dos impactos causados por seus financiamentos.
Certamente os economistas do BNDES vão mostrar suas planilhas e provar por A mais B que não é verdade, que isso não passa de mais um ataque entreguista e que o governo Lula tem que ser defendido a qualquer custo. Mas então vale a pena eles deixarem suas salas envidraçadas na Avenida Chile, de onde tem uma das visões mais bonitas da cidade do Rio de Janeiro, e ir pra lugares onde estão financiando o “progresso”. Que tal ir a Altamira e conversar com as populações que serão impactadas pela usina de Belo Monte? Que tal irem até Estreito conversar com o cidadão(ã) comum e não somente com os políticos e comerciantes? Que tal ir até Porto Velho e experimentarem ser ar neo-metropolitano, a festa antes da conclusão das usinas?
As atingidos têm propostas. A principal: transparência e diálogo. Nenhum dos movimentos ali presentes é contra o desenvolvimento, agora, todos querem qualificar o debate: que desenvolvimento é este? A serviço de quem ele está? Como ficam a questão dos impactos causados pelos financiamentos? E o controle social?
No dia 24, saí do Circo Voador em direção ao Largo da Carioca, quando dei por mim estava na frente da sede do BNDES. Há duas entradas para o prédio que convergem para uma aprazível praça cheia de plantas e bancos. Os portões têm mais de 20 metros de largura dando a impressão de que sua portaria se confunde com a rua. Estavam fechadas em plena terça-feira. Na frente, tapumes de ferro e um aviso de que era proibida a circulação de pedestres e entrada no banco só de funcionários com crachá. Um banco público de portas fechadas com medo dos atingidos. Real e metafóricamente.
*Sociólogo, consultor, militante da economia solidária.
(As opiniões das colunas não traduzem, necessariamente, posições do Ibase.)
Publicado em 04/12/2009.
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